"Para a maioria das pessoas, a franqueza é um abandono tão incomum do seu modus operandi padrão - uma espécie de aberração em sua prosaica falsidade -, que elas se sentem obrigadas a nos alertar quando um momento de sinceridade está para chegar. 'Para ser totalmente sincero', dizem, ou 'Para falar a verdade', ou 'Posso ser direto?' Com frequência querem extrair de você promessas de discrição antes de seguirem adiante. 'Isso fica só entre a gente, certo?...' 'Você tem que prometer não contar para ninguém...' Sheba não faz nada disso. Ela expele verdades íntimas e pouco lisonjeiras sobre si mesma a toda hora sem pensar duas vezes. 'Eu me masturbava obsessivamente quando era pequena', ela contou uma vez quando estávamos começando a nos conhecer. 'Minha mão praticamente teve que vedar as minhas calcinhas com fita adesiva para evitar que eu me masturbasse em lugares públicos.' Tentando soar como se estivesse acostumada a puxar esses assuntos enquanto saboreava um café e um KitKat, eu dizia: 'É mesmo?'
Acho que é uma característica de classe - essa franqueza despreocupada. Se eu tivesse tido mais contato com gente fina em minha vida, provavelmente estaria familiarizada com o estilo e não acharia nada de mais. Mas Sheba é a única pessoa genuinamente de classe alta que já conheci. A sinceridade descartável dela é tão exótica para mim quanto o lábio de um índio da Amazônia." (9-10)
NOTA: Dubto que la franquesa es degui sempre a una condició de classe, però em sembla una reflexió interessant.
"Considerei a incapacidade de Sheba para forjar uma amizade instantânea como um sinal positivo." (27)
"Quando a história de Sheba veio a público, um cara do Evening Standard escreveu um artigo em que aludiu a boatos não comprovados da experiência sexual de Connolly anterior ao seu caso con Sheba. Ele fez a seguinte pergunta: 'Qual o garoto de sangue quente de quinze anos que não gostaria de rolar na grama com Sheba Hart?' Eu achei que foi muito honesto e corajoso da parte dele escrever isso, mas provocou uma enxurrada de artigos hipócritas e puritanos protestando contra o tratamento supostamente frívolo dado pelo jornalista a um assunto tão sério." (111)
"Ninguém faz ideia de quantas meninas concupiscentes eu já vi, que conhecem todos os truques de manipulação sexual de que as mulheres são capazes." (112)
"Da primeira vez que Jennifer foi ao meu apartamento, fiz uma faxina escrupulosa em preparação para sua chegada; até enfeitei Portia, caramba. Mesmo assim, tive uma terrível sensação de estar exposta quando ela entrou. Era como se minha cesta de roupa suja, e não minha sala de estar irrepreensível, estives à mostra. Mas a estranheza de ter uma colega de profissão observando a arrumação de seu lar não ocorrera a Sheba. Ela não estava pensando no que eu estava pensando. Ela tinha aquela confiança burguesa absoluta na correção da sua sala de estar, dos seus móveis gigantescos, das roupas de seus filhos espalhadas." (129-130, ênfase minha)
NOTA: Altre cop la consciència de classe.
"- É difícil, não é, Barbara? A pessoa supõe que os modos são a formalização da gentileza e da consideração mais básicas, mas durante a maior parte do tempo eles são apenas questões estéticas disfarçadas de princípios morais, não são?" (138)
"Existe, eu percebo agora, uma coisa chamada tirania do humilde - aquela pessoa que balança a cabeça concordando e assiste calada enquanto você fala demais, grita muito alto e fica se mostrando e que, de modo geral, faz papel de boba. É muito mais saudável ter uma amiga que não tem medo de criticar você! Nunca é agradável ser repreendida. Houve ocasiões em que eu tive vontade de dar um empurrão em Sheba. Entretanto, mesmo zangada, eu sempre soube que sua franqueza era uma vantagem para o nosso relacionamento - algo que só podia fortalecer nossa ligação." (185, ênfase minha)
"Pessoas como Sheba pensam que sabem como é estar sozinha. Elas se remetem em pensamento ao momento em que terminaram um namoro, em 1975, e aguentaram um mês inteiro antes de encontrar uma pessoa nova. Ou a semana que passaram numa cidade da Baviera, quando tinham quinze anos de idade, visitando uma amiga por correspondência alemã e descobrindo que sua letra era a melhor coisa que ela tinha. Mas sobre o gotejar da solidão a longo prazo, sem fim à vista, elas não têm ideia. Não sabem o que é construir um fim de semana inteiro em torno de uma visita à lavanderia automática. Ou sentar num apartamento escuro na noite de Halloween, porque você não suporta expor sua intimidade a um turma de crianças pedindo doces. Ou ouvir o bibliotecário sorrir com pena e dizer 'Meu Deus, você é uma leitora rápida!' quando você leva de volta sete livros, todos lidos, uma semana depois de pegá-los. Elas não sabem o que é ser tão cronicamente intocada que o roçar acidental da mão de um motorista de ônibus em seu ombro manda um solavanco de desejo diretamente para a sua virilha. Eu me sentava em bancos do parque, no metrô e em carteiras escolares, sentindo o grande estoque de amor despropositado e sem uso guardado em minha barriga como uma pedra, até ter certeza de que iria começar a gritar e me atirar em desespero no chão. Sobre tudo isso Sheba e seus pares não tinham a menor ideia." (243).
"Tenho a impressão de que uma grande parte do vício - e da virtude, aliás - é uma questão de circunstância. É bem possível que se os meus cigarros tivessem acabado mais cedo, ou se Bangs não tivesse sido tão abjeto, Sheba jamais tivesse sido delatada. A maldade sempre aparece, minha mãe costumava dizer, mas acho que ela estava enganada. A maldade pode ficar oculta, cuidando da sua vida por toda a eternidade, se a situação certa não surgir." (251)
Zoë Heller, Anotações sobre um escândalo. Record, 2007.
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